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Placa de video já usada para "mineiração"!? Qual risco estou correndo...

Maurício Volpi 05/07/2021


O tema comprar peças usadas já gera debate. Alguns aprovam, outros descartam totalmente essa possibilidade.

Quando elevamos a discussão para a compra de componentes usados em mineração o tema ganha um extra nessa divisão de opiniões. Com a reviravolta atual do mercado de cripto, a corrida pelas placas de vídeo mudou totalmente.

A escassez de VGAs se transformou em um acúmulo de peças no mercado, principalmente daqueles que montaram rigs para a mineração e agora querem se desfazer das placas. E pode ser tentador comprar um desses modelos por um preço tão baixo. Mas quais são os riscos de comprar uma placa de vídeo que foi utilizadada para a mineração? É isso que discutiremos neste artigo.


Vida útil dos componentes


O ponto de partida e o elemento central na discussão é a redução da vida útil dos componentes, principalmente aqueles associados diretamente ao ato de minerar.

A mineração causa um impacto severo na vida útil dos chips de memória, fazendo com que o tempo hábil para o funcionamento decaia rapidamente, já que temos um constante uso da escrita de dados (gravação de dados). Todo o processo de gravação gera desgaste. E isso não é apenas com a mineração.

Já alguns anos essa memória adotada em larga escala pelas placas de vídeo é a GDDR, desenvolvida justamente para aplicações que requerem alta largura de banda. Até o momento são 7 gerações de GDDR (GDDR, GDDR2, GDDR3, GDDR4, GDRR5, GDDR5X, GDDR6 e GDDR6X).

Todo processo de gravação de dados encurta a vida útil dos chips, seja levando em conta a inefiência que o chip pode ter na questão da boa transferência de calor, como ocorre com o GDDR, ou até mesmo no impacto em relação ao limite de escrita viavél para o chip, como com a memória flash. A diferença do impacto na redução varia de acordo com a tarefa em que os chips são submetidos.


A associação com os SSDs é o exemplo interessante a se observar. Os SSDs usam memória do tipo flash (Flash NAND), e, independente do modelo que você comprar, da capacidade que você escolher, o uso vai gerando uma degradação no tempo hábil da vida útil dos chips de memória.

A maneira mais direta de constatar o tempo hábil médio da vida útil dos chips de memória flash é observando o TBW (terabytes written), a quantidade de dados, medido em terabytes, que podem ser gravados na unidade.

Obviamente isso varia. É perfeitamente possível que um SSD atinja o que fabricante estipulou como TBW e a unidade siga funcionando normalmente. O TBW varia conforme o modelo e também com a capacidade. SSDs de maior capacidade de armazenamento costumam ter um TBW superior aos modelos inferiores da mesma linha.

Repare abaixo parte do folheto das especificações do SSD WD Black SN850 da Western Digital. Há a indicação do TBW por capacidade da unidade.


Os próprios SSDs também foram alvo dos mineradores. No ano passado os preços das unidades chegaram a disparar graças a Chia, uma altcoin que recorre a unidades de armazenamento e não da placa de vídeo para a mineração.

A GALAX, mundialmente conhecida por suas placas de vídeo, mas que também investe em outros componentes, como os SSDs, declarou que utilizar o SSD para a mineração anula a garantia.

A empresa justificou a decisão dizendo que o volume de dados será muito maior do que o padrão diário e o SSD ficará lento, ou será danificado devido ao volume excessivo de gravação de dados.


Podemos importar essa declaração focada em SSDs para as placas de vídeo. Os chips de memória, e os controladores, operam de maneira anormal.

A operação anormal, associada ao tempo em que o componente fica exposto a esse ciclo de trabalho constante, acelera a degradação dos componentes. Logo, a vida útil é exaurida mais rápido.


Sequência de danos

Conversamos com um técnico em reparo de placas de vídeo, ele relatou ser bastante comum, em placas usadas para mineração, que os chips de memória e o chip gráfico acabem falhando juntos, e, no reparo, é preciso trocar ambos.

Existem casos de placas utilizadas em mineração, que os chips de memória falham, entram em curto, e danificam a GPU, um efeito em cadeia de destruição. Até mesmo o controlador de memória pode entrar em curto e acabar danificando os chips de memória e a GPU.

A mineração foge totalmente da normalidade em termos das operações em que as placas de vídeo são comumente utilizadas, até mesmo quando trazemos para o campo dos testes de stress o impacto nos componentes é mais baixo, comparado ao ato de minerar.


Um exemplo prático acontece em relação ao uso do controlador da memória, posicionado na borda da GPU. Durante teste de stress da placa de vídeo, em algum software de benchmark, os controladores podem ficar, em média, com 50% de uso.

Lembre-se, estamos falando de um teste de stress, em jogos, principalmente aqueles que não são de mundo aberto, o uso é ainda menor. Na mineração o controlador opera em plena capacidade, por muito tempo, elevando consideravelmente temperatura

Somado ao uso intenso, temos também casos da ausência total de manutenções fundamentais das placas utilizadas em rigs. O excesso de poeira entre, por exemplo, as aletas dos dissipadores das placas de vídeo, são totalmente prejudiciais para a maneira como esse dissipador irá atuar em em relação à troca de calor.

Esse enclausuramento, causado pela poeira, reduz a capacidade de dissipação e prejudica os componentes, penalizados por temperaturas mais altas.


As próprias rigs, pensadas em maximizar os ganhos, em muitos casos, são montadas cortando todos os custos possíveis. Economias que passam pelo uso de fans de baixo custo e baixo CFM (Cubic Feet per Minute), e o uso de adaptadores riser de péssima qualidade, que podem contribuir diretamente para acelerar ainda mais a degradação dos componentes da placa de vídeo.


É comum também a afirmação que placas de vídeo utilizadas em mineração perdem performance na GPU, como se a placa ficasse “mais fraca”. Na verdade, mesmo quando estamos falando do chip gráfico, o ponto central dos efeitos da mineração é mesmo a redução da vida útil do componente.

Como explicou o Burti, do TecLab, neste vídeo, dependendo da geração da placa, como a linha RX 500, amplamente utilizada na mineração, que ainda usa a tensão de 3,3V para a alimentação de alguns controladores internos, caso aconteça algum problema no regulador de 3,3V do riser utilizado, qualquer anomalia vai diretamente para o chip gráfico, acelerando consideravelmente a deterioração do componente.

Para os mineradores, que lucraram minerando e agora querem lucrar também se desfazendo de peças que não são mais essenciais para o momento atual daquele investimento, a realidade de vender essas placas pode ser bem menos desconfortável do que parece.

Agora, para o usuário, tentado a adquirir uma dessas placas, pode ser uma escolha totalmente perigosa. Mas aqui não tem fiscal do bolso alheio. Essas é uma decisão individual. O que vale sempre é a recomendação pela busca de informações que possam ajudar a ir em frente ou descartar essa compra.

O tempo que uma placa exaustivamente usada em mineração vai durar antes de apresentar falhas é bem incerto, é impossível parametrizar algo de uma maneira taxativa, até porque as placas variam em relação aos seus componentes.

Os chips da Samsung são referência em relação à durabilidade. Portanto, placas equipadas com VRAM produzidas pela gigante sul-coreana podem se sair ainda melhor a bateria de ciclos constantes de escrita em que a placa é submetida, e durar por mais tempo, mas isso é totalmente variável.


Loteria do silício

No mundo do hardware há uma expressão bem comum que é a “loteria do silício”. Ela se refere a incerteza que um mesmo modelo de componente pode ter em performance em unidades diferentes.

Pode ser que um modelo de processador que você comprou, idêntico ao que alguém que você conhece possui, performe melhor ou pior em relação aos clocks alcançados, por exemplo. Há uma variação do que os chips podem entregar. Isso faz parte do jogo.

Essa questão do efeito loteria tem até um sentido realmente prático quando falamos de mineração. Alguns algoritmos, como o DaggerHashimoto, são sedentos por velocidades mais altas da memória de vídeo (VRAM) para que um hashrate mais alto seja alcançado.

Portanto, placas com memórias mais rápidas – parâmetro que pode variar bastante, considerando a incerteza da qualidade do chip que você está recebendo -, são beneficiadas.


Podemos transpor a loteria do silício para o universo das placas de vídeo usadas em mineração. Pode ser que você compre algum modelo usado e ele funcione normalmente. Essa sua experiência pode fazer com que você diga que o que falam sobre placas usadas em mineração não seja realmente tão grave

E se olharmos de maneira mais ampla? A placa realmente pode funcionar, mas por quanto tempo? Vale a pena arriscar comprar uma placa usada, em que você talvez não tenha como comprovar o seu real histórico, apenas confiando na palavra de quem está vendendo? Quando a compra é feita pela internet ainda tem um componente adicional, a impossibilidade de verificar como a placa esta realmente fisicamente.

Naturalmente, com o uso da placa em jogos ou demais aplicações, já há um desgaste.

Agora traga essa realidade, que não tem escapatória, para o cenário da compra de uma placa que, em muitos casos, é impossível comprar o ciclo de trabalho em que ela foi submetida durante a mineração, e também não é possível comprovar se certas medidas, como redução do power limit, redução dos clocks e outras configurações, foram aplicadas.

Vale a pena esse tiro no escuro? A decisão é sua.

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