29/03/2022 por Mauricio Volpi
Uber Eats saiu do setor de entrega de comida do Brasil
Desde o último dia 7 de março, o Uber Eats não faz mais delivery de pedidos de restaurantes. A empresa deixou o segmento para se dedicar aos supermercados e a outros tipos de entrega. Ao encerrar a atividade, a Uber apontou o domínio do iFood e seus contratos de exclusividade como fator importante para a decisão. No entanto, parece que não foi só isso. O Portal DTP conversou com restaurantes e especialistas para entender por que uma gigante da tecnologia não conseguiu se firmar por aqui.
A Uber não falou abertamente sobre os motivos da saída do ramo de delivery de restaurantes quando anunciou sua partida. Porém, um dia antes do adeus, a companhia deu mais explicações ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Uma manifestação enviada à Superintendência Geral (SG) do órgão fala em “barreiras artificiais impostas pelo iFood com sua conduta exclusionária” e cita a prática como um dos motivos para sair do mercado.
Por “barreiras artificiais” e “conduta exclusionária”, dá para entender que a Uber fala dos contratos de exclusividade feitos pelo iFood com os restaurantes. A empresa está proibida de celebrar novos acordos desse tipo desde março de 2021, mas os antigos continuam valendo.
Concorrer com uma empresa que detém contratos de exclusividade e domina 80% do mercado, como é o caso do iFood, certamente é um motivo forte para deixar o setor. Isso, porém, não explica tudo.
Uber Eats não se adaptou ao mercado local
A falta de adequação ao mercado local é um dos motivos que podem estar envolvidos na saída do Uber Eats do setor de restaurantes. A avaliação de Dennis Nakamura, sócio do O Board, mentor de startups e ex-gestor do iFood.
Nakamura lembra que a Uber é uma empresa maior que Rappi e iFood. Ela tem presença global e seus negócios com transportes fazem com que ela supere em muito suas concorrentes em tamanho e em valor de mercado.
Só que isso não é necessariamente uma vantagem.
“Como grande parte das empresas globais, o Uber Eats possui uma série de regras de governança para manter a casa organizada. Já tive a oportunidade de contribuir com startups globais e pedir customização de plataformas e políticas, por exemplo, não é nada agradável. E para essas empresas inovadoras, agilidade, flexibilidade e customização é essencial para que ela se misture com a cultura e crenças locais ficando mais atrativa aos parceiros e consumidores regionais.”
Dennis Nakamura, sócio do O Board, mentor de startups e ex-gestor do iFood.
Outro fator é que o Uber Eats tinha menor flexibilidade de negociação em relação a fornecedores e parceiros.
“Isso faz com que sua governança também seja mais rígida dando menos flexibilidade e adaptabilidade para o mercado local e regional, e um exemplo disso é suas taxas serem as mais altas, 35% do valor do pedido”, explica Nakamura. “Para uma empresa que não oferece tudo o que seus demais concorrentes oferecem, ser visto como o aplicativo mais caro não ajuda.”
O consultor também destaca que a Uber não aproveitou a estadia do Uber Eats no Brasil para desenvolver novos negócios, como fez o iFood, que entrou em mercados como o de insumos para restaurantes e de intermediação para pagamentos, por exemplo.
Além disso, o fato de a Uber ser uma empresa com ações listadas na bolsa de valores também não ajuda.
Entregador de Uber Eats
“A pressão dos acionistas e sócios é sempre um grande fator para decisões estratégicas como essa”, explica Nakamura. “Nós usávamos essa pressão de forma inteligente para sobressair à concorrência quando ainda era um dos gestores do iFood.”
Ele explica que o crescimento do Uber Eats no Brasil era bem aquém do que se viu em algumas regiões da Ásia. O que houve, portanto, foi também uma decisão de retirar investimentos daqui para levar para lá, visando um resultado global melhor.
O fato de a Uber ser uma empresa global não pode ser ignorado. A decisão pode muito bem ter vindo de fora do País, e há indícios disso.
Uma das pessoas surpresas com a saída foi Renato Almeida. Ele é CEO da Consumer, empresa que desenvolve sistemas de gestão para restaurantes.
Desde 2017, a Consumer dispõe de uma ferramenta para que os estabelecimentos criem seus próprios aplicativos de delivery, o MenuDino.
Almeida conta que, nos últimos meses de 2021, ele e sua equipe fizeram reuniões com a Uber Eats. O objetivo era encontrar pontos em comum nas duas plataformas para futuras parcerias.
O tempo gasto, o esforço feito e os planos criados não deram em nada, obviamente. Para o executivo, isso mostra que nem a equipe local da empresa estava ciente do que viria em 2022.
O Portal DTP entrou em contato com a Uber, mas não obteve resposta.
Restaurantes tinham queixas sobre a plataforma
Problemas com restaurantes também mostram que a passagem do Uber Eats pelo Brasil ficou longe de agradar todo mundo.
Luíse Macedo é dona da Buena Onda Burritos, burriteria que ela abriu em Ponta Grossa (PR) há mais de três anos.
Ela conta que chegou a vender seus pratos pelo Uber Eats, mas teve problemas.
Uma das queixas era que, após o entregador retirar o pedido, o cliente não podia entrar em contato com o restaurante. Isso atrapalhava a solução de problemas.
“Muita coisa que eu poderia resolver se o cliente falasse comigo ficava sem solução, e eu recebia avaliação ruim”, comenta.
Por fim, o Buena Onda saiu do Uber Eats.
Luíse diz que seu restaurante não foi o único da cidade a deixar a plataforma. A empresa, segundo ela, chegou em Ponta Grossa fazendo grandes promessas aos estabelecimentos da cidade.
Entregador Uber Eats de moto
Entre os diferenciais, estavam cupons de desconto para serem dados aos clientes sem custo para restaurantes, além de embalagens, adesivos, caixas e demais materiais para entrega.
De tudo que prometeu, a empresa só teria cumprido mesmo a taxa: 30% sobre cada venda. Já o Generoso Burger nunca entrou no Uber Eats. Mário Rabelo, um dos sócios da hamburgueria paulistana fundada em 2019, conta que a empresa chegou a procurá-lo, mas ele não viu sentido para seu negócio.
“Já estávamos com iFood e Rappi e não estávamos satisfeitos com os dois. A gente preferiu não ter uma terceira empresa que provavelmente não deixaria a gente satisfeito em troca de alguns pedidos a mais.”
Ele diz não estar surpreso com a saída da Uber do setor de entregas de restaurantes.
“Eu achei natural, honestamente. Se chegar daqui a algum tempo a notícia de que o Rappi também vai encerrar as atividades, eu também vou achar natural. O iFood monopolizou tudo e engoliu essas empresas. Eu conheço pouquíssimas pessoas, uma ou duas, que eram usuárias do Uber Eats. A maioria é usuário do iFood. Eu acho que o impacto [da saída do Uber Eats] no crescimento do iFood é pouco. O que eu tenho percebido é um movimento de algumas empresas para montar ferramentas parecidas, mas que oferecem condições um pouco melhores para o restaurante e para os entregadores.” Mário Rabelo, sócio do Generoso Burger.
Agora, o mercado de delivery de restaurante por aplicativo não tem mais seu segundo colocado, deixando terreno livre para o iFood ir além em seu domínio — mas restaurantes não estão contentes, e outras empresas querem um pedacinho desse setor.
Fonte extraída do site Tecnoblog
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